Regulação das redes sociais pode voltar ao debate no Congresso em breve
A intensificação do uso das redes sociais para propagar conteúdos ilícitos reacendeu um debate essencial para o futuro digital do país: a regulação das plataformas digitais. Após meses de impasse no Congresso Nacional, o governo federal se articula para colocar o tema novamente na agenda legislativa. A proposta de estabelecer um marco legal para a atuação das chamadas big techs no Brasil ganha nova força diante dos riscos à segurança pública, à democracia e aos direitos fundamentais.
O Secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, confirmou que o governo prepara uma nova estratégia de aproximação com o Parlamento para retomar a tramitação do Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. O objetivo é propor regras mais claras e eficazes para a responsabilidade das plataformas.
“Nossa compreensão é que essa regulação precisa equilibrar três coisas: primeiro, a responsabilidade civil das plataformas; segundo, o que a gente chama de dever de prevenção e precaução; e terceiro, que elas atuem na mitigação dos riscos sistêmicos da sua atividade”, explicou Brant durante palestra na Fiocruz.
Leia mais: Levantamento revela que 60% dos brasileiros são a favor de regras para as redes sociais
Desinformação e crimes online exigem ação coordenada
Casos de violência contra crianças e adolescentes, associados à circulação de conteúdos criminosos em redes sociais, têm ampliado a pressão da sociedade por mudanças. Para o governo, é urgente que as plataformas adotem medidas efetivas de moderação e prevenção.
Hoje, essas empresas são regidas pelo Marco Civil da Internet, de 2014, cujo artigo 19 só prevê responsabilização em caso de descumprimento de ordem judicial. Isso, segundo especialistas, já não atende à complexidade atual do ecossistema digital.
“O que a gente tem é uma distorção do ambiente digital, sem que as plataformas assumam qualquer responsabilidade”, criticou Brant, reforçando que a regulação deve também prever custos às empresas pela inação diante de riscos sociais.
O impasse do PL das Fake News
A proposta legislativa que estabelece um marco regulatório para as plataformas digitais está parada na Câmara dos Deputados desde 2023. A falta de consenso entre parlamentares e pressão de grupos econômicos são os principais obstáculos. Apesar disso, o governo acredita que a conjuntura pode se tornar mais favorável nas próximas semanas.
O coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da UFF, Afonso Albuquerque, avalia que a discussão é inadiável: “É preciso ter regras relativas ao financiamento dessas plataformas que, de alguma forma, estabeleçam princípios de transparência algorítmica”.
Ele acrescenta que as big techs exercem influência desproporcional nos debates públicos, sem qualquer mecanismo regulador efetivo. “Hoje, efetivamente, nós operamos no terreno da mais pura ilegalidade”, alerta.
Contexto internacional reforça necessidade de regulação
Apesar de um cenário ainda desfavorável no Legislativo, eventos internacionais têm influenciado a pauta nacional. As tensões entre o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e as plataformas digitais impactam o debate global sobre soberania digital.
“As tarifas estão afetando o bolso dos bilionários que apoiaram o Trump, e isso muda o jogo. A aliança com setores da extrema direita brasileira torna ainda mais evidente o quanto as plataformas tentam intervir em assuntos internos”, afirmou Albuquerque.
Segundo o especialista, o comportamento de figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg tem acentuado a urgência por mecanismos de controle supranacionais. “Eles demonstraram pouca sutileza no seu interesse de intervir em assuntos internos de outros países, particularmente do Brasil”, pontuou.
Brasil testa limites e cria precedente global
O recente embate entre o Supremo Tribunal Federal e Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), evidenciou o conflito entre o poder estatal e as big techs. O episódio em que a rede foi suspensa por descumprimento de ordens judiciais representou, segundo Brant, um divisor de águas.
“O melhor dessa história é que ela termina com o Musk tendo que sucumbir ao Estado brasileiro. Ali foi um momento de virada”, declarou o secretário.
O caso projetou internacionalmente a postura do Brasil diante da resistência das plataformas a cumprir legislações nacionais. Para Brant, esse foi um exemplo de que o país não deve tolerar empresas que escolham quais regras seguir.
Proteção de usuários deve guiar debate no Congresso
Além das questões jurídicas, há preocupação crescente com o impacto das redes sociais na vida dos usuários. Casos de fraudes financeiras e golpes que utilizam anúncios patrocinados por essas plataformas têm sido recorrentes.
Brant defende que a defesa de públicos vulneráveis, como crianças e adolescentes, e a prevenção de fraudes são elementos que podem gerar apoio popular à regulação. “Uma parte das plataformas é inclusive sócia desses golpes, porque recebe dinheiro para veicular conteúdo fraudulento”, destacou.
Caminhos para o futuro digital
Afonso Albuquerque acredita que, para enfrentar os desafios da era digital, será necessário pensar em estruturas regulatórias além das fronteiras nacionais. Ele propõe a criação de mecanismos internacionais que promovam uma governança digital cooperativa.
“O ideal seria a construção de instituições que estabeleçam e fiscalizem o cumprimento de regras globais, capazes de garantir a soberania digital dos países e proteger os cidadãos de abusos de poder tecnológico”, conclui.
Com informações de: Agência Brasil